Fonte: Blog Carmadélio
Pedro Ravazzano
Com spoilers!
The Voyage of the Dawn Treader, o quinto livro da saga de C.S Lewis e o terceiro filme da série, endossa com mais vigor a forte referência cristã que permeia toda a obra. Além da defesa clara das virtudes e dos valores humanos, o enredo e a construção das personagens aprofundam nas relações dos homens e na perspectiva de transcendência diante do sagrado.
A obra é muito bem construída e nela cabem tanto leituras alegóricas e morais como anagógicas. Para um espectador desavisado “As Crónicas de Nárnia” serão apenas filmes com memoráveis cenas de ação e uma temática que é digna da atenção de toda a família. Claro que essa percepção, ainda que superficial, é válida e frutífera. Não obstante, é na compreensão do sentido mais profundo que os escritos de C.S Lewis se fazem plenos. Esse supra-sentido, como diz Dante Alighieri, “ocorre quando se expõe espiritualmente um escrito, o qual, pelas coisas significadas, significa as sublimes coisas da glória eterna.” (Convívio, II, 1) .
No terceiro filme destaca-se três grandes momentos; toda a incursão dos homens na luta contra o Mal – e aqui se sobressai a maldade em sua essência mais bruta que relaciona-se diretamente com a ausência do amor, de Deus – a forte transformação e redenção de Eustáquio e, por fim, a apoteótica despedida de Aslam a Lúcia e Edmundo.
A obra se forma centrada na saga dos homens que iniciam uma empreitada pela salvação dos narnianos oprimidos e perseguidos pelo Mal. Vale frisar, primeiramente, que os viajantes são aconselhados por um virtuoso mago a enxergarem não apenas as trevas que assolam Nárnia mas principalmente a escuridão que habita neles. Isso se confirma diante das tentações e provações que pelas quais passam. Assim como eles poderiam escolher o mal optam, livremente, pelo caminho do bem. Ademais, essa temática se afasta com firmeza de qualquer princípio calvinista; ainda que sem Deus o homem nada possa, é na sua abertura à graça que o Senhor age.
Outra cena bem particular é a transformação de Eustáquio. O que era um garoto pobre em virtudes e valores, desprovido de qualquer percepção do Sagrado – vide a sua relutância em compreender a “fantasia” de Nárnia – redimi-se após a forte experiência da mutação em dragão. O momento do seu retorno à forma humana inicia-se com a tentativa de com as suas garras cortar o grosso coro draconiano – isso após uma atuação extraordinária contra a diabólica serpente marinha. Ou seja, já há o fundamental desejo e a essencial vontade de livrar-se da condição de miserabilidade. Não obstante, sem Deus, sem Aslam, não poderia fazer. Surge então o Leão que com as suas patas cortando a areia e o seu majestoso rugido rompe a carapaça que cobria o Eustáquio velho, dando-lhe um banho – o batismo. Assim nasce um novo homem redimido pela ação do Senhor. O próprio atesta em seguida; “A princípio ardeu muito, mas em seguida foi uma delícia”
Por fim a cena mais impactante dessa obra; a despedida final. Lúcia e Edmundo, assim como Susana e Pedro, foram avisados que não mais poderão retornar. Aslam, então transfigurado em Cordeiro – clara alusão ao Cordeiro de Deus, Jesus Cristo – os apresenta ao seu país, protegido por uma densa parede aquática e que só poderia ser desbravado pelos homens que não mais intentassem voltar; a ida será definitiva. A jovem Lúcia, comovida com a partida, questiona o Leão. Vejamos o trecho completo:
Continuaram e viram que era um cordeiro.
– Venham almoçar – disse o Cordeiro na sua voz doce e meiga. [banquete do Cordeiro?]
Notaram que ardia sobre a relva uma fogueira, na qual se fritava peixe. Sentaram-secomeram, sentindo fome pela primeira vez desde muitos dias. E aquela comida era a melhor de todas as que haviam provado.
– Por favor, Cordeiro – disse Lúcia –, é este o caminho para o país de Aslam?
– Para vocês, não – respondeu o Cordeiro. – Para vocês, o caminho de Aslam está no seu próprio mundo.
– No nosso mundo também há uma entrada para o país de Aslam? – perguntou Edmundo.
– Em todos os mundos há um caminho para o meu país – falou o Cordeiro. E, enquanto ele falava, sua brancura de neve transformou-se em ouro quente, modificando-se também sua forma.
E ali estava o próprio Aslam, erguendo-se acima deles e irradiando luz de sua juba.
– Aslam! – exclamou Lúcia. – Ensine para nós como poderemos entrar no seu país partindo do nosso mundo.
– Irei ensinando pouco a pouco. Não direi se é longe ou perto. Só direi que fica do lado de lá de um rio. Mas nada temam, pois sou eu o grande Construtor da Ponte. [Cristo, Pontífice e Sumo Sacerdote da humanidade diante de Deus] Venham. Vou abrir uma porta no céu para enviá-los ao mundo de vocês.
– Por favor, Aslam – disse Lúcia –, antes de partirmos, pode dizer-nos quando voltaremos a Nárnia? Por favor, gostaria que não demorasse…
– Minha querida – respondeu Aslam muito docemente –, você e seu irmão não voltarão mais a Nárnia.
– Aslam! – exclamaram ambos, entristecidos.
– Já são muito crescidos. Têm de chegar mais perto do próprio mundo em que vivem.
– Nosso mundo é Nárnia – soluçou Lúcia. – Como poderemos viver sem vê-lo?
– Você há de encontrar-me, querida – disse Aslam.
– Está também em nosso mundo? – perguntou Edmundo.
– Estou. Mas tenho outro nome. Têm de aprender a conhecer-me por esse nome. Foi por isso que os levei a Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco, venham a conhecer-me melhor.
Aslam, o Cordeiro de Deus e o Leão da Tribo de Judá, é Nosso Senhor Jesus Cristo!
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