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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Neo montanismo em ação – Pe. Zezinho SCJ

Nas minhas aulas de comunicação abordei muitas vezes o assunto “dissidência calculada”. O pregador e seu grupo têm um ponto de vista; o papa e os bispos praticam outro. Para não baterem de frente contra as autoridades, detendo eles algum meio de comunicação recorrem a algum documento do passado que os autoriza a continuar praticando a fé do jeito deles, mesmo quando papa e bispos autorizam e praticam do jeito novo. Armam resistência contra o novo. É o neo-conservadorismo que adota modernidade em alguns quesitos e volta ao passado no quesito que lhe interessa voltar.

São dissidentes calculados. Desobedecem sem desobedecer. E dão um jeito de chamar de desobedientes os que não se regem pelos mesmos textos que eles. Tendo a mídia nas mãos, eles parecem os bons católicos. Quem ousa aderir às mudanças autorizadas passa por católico tíbio. Já vimos este filme em vários capítulos nestas últimas décadas. É o neo montanismo em ação. Espertos, eles sabem argumentar contra e a favor. O poder está com eles porque atingem mais gente.

O assunto eucaristia tem causado essas divisões. Ainda temos católicos que sistematicamente desafiam as normas das dioceses e paróquias, alegando que os líderes dos seus movimentos estão acima da diocese e da paróquia. Ouvem primeiro o padre do seu grupo e, só depois, o papa, os bispos e o pároco. Teimam em receber a eucaristia só na boca, nunca nas mãos e fazem a genuflexão antes de comungar, mesmo que por razões da diocese, o bispo tenha dispensado todo o ritual. O argumento de um desses sacerdotes é o de que comunhão nas mãos é mera concessão e, se, um dia, um papa quiser aboli-la, todo mundo terá que voltar a comungar na boca e ajoelhar-se e benzer-se antes de receber a eucaristia. Em outras palavras, o ritual de ontem era melhor do que o de hoje…

O papa e os bispos fazem e autorizam, mas eles pregam rebeldia de seus membros, dizendo aos mais fervorosos que não são obrigados a aceitar as normas da diocese. O padre terá que lhes dar comunhão do jeito antigo, se não quiserem aceitar a prática daquela diocese. É confronto! Vale mais palavra do pregador de televisão do que o bispo que mora naquela região. Pronto! Está estabelecida a dissidência e a rebeldia: o padre da televisão contra os padres e os bispos da diocese. O fiel escolhe se segue os padres do seu querido movimento, ou os padres e o bispo da diocese onde ele mora. Adivinhe com quem o fiel fica?

O papa é freqüentemente visto dando comunhão nas mãos e não só em casos excepcionais. Os bispos o fazem quase sempre, mas o padre da televisão disse, com toda a autoridade que não tem, que o jeito correto é seguir o ritual antigo. Em outras palavras: quem autorizou está errado e certo está quem comunga só na boca e se ajoelha antes em gesto de adoração. Só este é respeitoso…As razões da diocese não valem…

Enfrentei este tipo de rebeldia nos anos 70, quando houve em São Paulo um surto de meningite e os médicos pediram ao cardeal Dom Paulo Arns que não permitisse comunhão na boca, por conta do risco de se difundir ainda mais o vírus pela saliva. Alargamos as portas, pusemos dutos que permitissem mais escoamento do ar e adotamos a prática da comunhão nas mãos.

Não poucas vezes enfrentamos católicos que advogavam seu direito de comungar pela boca. Foi muito simples. Ou aceitavam as normas da diocese ou não receberiam o Cristo do jeito deles. Alguns iam embora batendo os pés no chão e, depois, nos atacavam pela mídia. Passado o risco, os bispos mantiveram o novo costume. Por conta de minha obediência a Dom Paulo fui chamado de vaca sagrada, por um artigo de O Estado de São Paulo. Eram dias de confronto e de luta. O irônico e inteligente Lenildo Tabosa Pessoa não brincava sem serviço. Sabia jogar seus leitores contra quem não rezasse pela sua cartilha.

Quarenta anos depois, num sábado, véspera do dia das missões, vejo um sacerdote pregar pela mídia a mesma dissidência calculada. Muitos fiéis o seguirão. Outra vez, a palavra do padre inteligente e arguto se sobrepõe sorrateiramente à palavra dos bispos e párocos. Alguém alegará que ouviu o padre XYZ a falar na televisão que o certo e o direito é o antigo ritual: de joelhos ou na boca. Mas o que diz o antigo ritual? E o que diz o Direito Canônico, compêndio geral das leis dos católicos sobre a autoridade dos bispos? Deve prevalecer: o que diz o padre da televisão ou o que dizem os bispos? Há uma mídia católica que coopera com as dioceses. Há outra que passa por cima da autoridade do bispo. O fiel escolha! Cátedra de Pedro ou câmera do padre? Receio que muitos já escolheram…


Fonte:afeexplicada.wordpress.com

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